1#
Sendo
o Poeta animal em extinção,
decido
assim e sem mais – numa referência mítica
não
sei se ao Édson, se ao Pelé (porque não sei
muito
bem qual dos dois começou com essa história
de
se referir ao nome pela profissão, ou
à
profissão pelo nome e a verdade é que fica difícil
escrever
poemas com o telefone tocando ou o
celular
apitando) – re-ferir-me a mim mesmo como Poeta.
2#
Poeta
que é Poeta quando se mistura aos seres-humanos
da
rua
finge-se
de humano, finge ter todos os sentidos naturais
a
todos os seres-humanos, tais quais: visão, olfato, paladar, audição, tato (e o
Google, sentido inventando pelo ser-humano que se revelou utilíssimo ao Poeta)
é
até engraçando, ver um Poeta numa mesa de bar fingindo escutar os barulhos do
mundo
enquanto
pensa em qualquer coisa e não concorda com ninguém.
(é
justo, tudo muito justo, pois os seres-humanos também fingem os sentidos dos
Poetas)
Ouve-se
falar de amor em qualquer esquina.
3#
Poetas
só tateiam na transa
só
escutam na música
não
sentem gosto qualquer
os
humanos nomeiam seus cheiros como sentimentos:
Poetas
só enxergam do alto,
Dito
isto, passemos à Poesia...
4#
O
poeta arma o baseado,
dá
uma talagada de álcool,
e
enxerga a cidade, do alto:
De
repente está andando, descendo por umas ruas
sente
o cheiro e lembra de tudo que já viveu por ali, naquelas calçadas dessa cidade
e
costuma se lembrar de todos esses lugares, o Poeta tem memória fraquíssima para
pontos da cidade e nomes de rua, associando-os à mulheres e se lembra destas –
mas também dos lugares, não se engane, é uma coisa só – associando-as aos
números de ônibus.
Apaixonou-se
perdidamente pelo 8108, mas passou
Corou
diversas vezes no 4106, não cora mais
Sentiu
preguiça, náusea e algum amor no 5508 e no 1502
(hoje
em dia é possível ver o Poeta – sem fazer poesia alguma – cansado no 2004)
E,
ás vezes, o poeta se lembra do nome da cidade em que nasceu,
apesar
de não se considerar filho de nada, nem de lugar nenhum,
relembra
um flerte na porta daquela bar que hoje é loja de roupas infantis
e
segue por aí, relembra-se de qualquer dia desses se aboletar no 4111
e
visitar todas as partes feias da Cidade Feia e, aproveitando a vista, a
paisagem
se
lembrar de alguns de seus itinerários quando tinha o quê? Uns 14, 13 anos?
o
poeta se aboleta, agora, na própria alma e revive madrugadas passadas em transe
ou
dentro de um copinho de cerveja qualquer, andando pelo baixo-centro
(as
ruas hoje são tão bem iluminadas que flanar tornou-se impossível)
o
poeta veste seus óculos escuros e decide passear pelar Universidade
e
ver se encontra quem não tenha sentidos como ele, quem não esteja preocupado
com
o futuro da raça.....
O
Poeta acende o baseado e se lembra do mais importante:
passa
em frente ao estádio e não sabe se o grito que escuta é
“ZÊEEEEEEEEEEEEIRO” ou “GAAAAAAAALO”
mas
pouco importam os signos, nascer nessa cidade e não ser um ou outro
é
como viver exilado – merecidamente,
o
poeta repete o mantra: decapitar os que
não gostam de futebol,
decapitar os que não gostam de
futebol, decapitar os que não gostam de futebol!
E
é assim que o Poeta nasce, todas as noites,
da
carne macia e mórbida
das
pernas da Serra do Curral.