quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Poema



1#
Sendo o Poeta animal em extinção,
decido assim e sem mais – numa referência mítica
não sei se ao Édson, se ao Pelé (porque não sei
muito bem qual dos dois começou com essa história
de se referir ao nome pela profissão, ou
à profissão pelo nome e a verdade é que fica difícil
escrever poemas com o telefone tocando ou o
celular apitando) – re-ferir-me a mim mesmo como Poeta.

2#
Poeta que é Poeta quando se mistura aos seres-humanos
da rua
finge-se de humano, finge ter todos os sentidos naturais
a todos os seres-humanos, tais quais: visão, olfato, paladar, audição, tato (e o Google, sentido inventando pelo ser-humano que se revelou utilíssimo ao Poeta)
é até engraçando, ver um Poeta numa mesa de bar fingindo escutar os barulhos do mundo
enquanto pensa em qualquer coisa e não concorda com ninguém.
(é justo, tudo muito justo, pois os seres-humanos também fingem os sentidos dos Poetas)

Ouve-se falar de amor em qualquer esquina.

3#
Poetas só tateiam na transa
só escutam na música
não sentem gosto qualquer
os humanos nomeiam seus cheiros como sentimentos:
Poetas só enxergam do alto,
Dito isto, passemos à Poesia...

4#

O poeta arma o baseado,
dá uma talagada de álcool,
e enxerga a cidade, do alto:

De repente está andando, descendo por umas ruas
sente o cheiro e lembra de tudo que já viveu por ali, naquelas calçadas dessa cidade
e costuma se lembrar de todos esses lugares, o Poeta tem memória fraquíssima para pontos da cidade e nomes de rua, associando-os à mulheres e se lembra destas – mas também dos lugares, não se engane, é uma coisa só – associando-as aos números de ônibus.
Apaixonou-se perdidamente pelo 8108, mas passou
Corou diversas vezes no 4106, não cora mais
Sentiu preguiça, náusea e algum amor no 5508 e no 1502
(hoje em dia é possível ver o Poeta – sem fazer poesia alguma – cansado no 2004)

E, ás vezes, o poeta se lembra do nome da cidade em que nasceu,
apesar de não se considerar filho de nada, nem de lugar nenhum,
relembra um flerte na porta daquela bar que hoje é loja de roupas infantis
e segue por aí, relembra-se de qualquer dia desses se aboletar no 4111
e visitar todas as partes feias da Cidade Feia e, aproveitando a vista, a paisagem
se lembrar de alguns de seus itinerários quando tinha o quê? Uns 14, 13 anos?
o poeta se aboleta, agora, na própria alma e revive madrugadas passadas em transe
ou dentro de um copinho de cerveja qualquer, andando pelo baixo-centro
(as ruas hoje são tão bem iluminadas que flanar tornou-se impossível)
o poeta veste seus óculos escuros e decide passear pelar Universidade
e ver se encontra quem não tenha sentidos como ele, quem não esteja preocupado
com o futuro da raça.....

O Poeta acende o baseado e se lembra do mais importante:
passa em frente ao estádio e não sabe se o grito que escuta é
ZÊEEEEEEEEEEEEIRO” ou “GAAAAAAAALO”
mas pouco importam os signos, nascer nessa cidade e não ser um ou outro
é como viver exilado – merecidamente,
o poeta repete o mantra: decapitar os que não gostam de futebol,
decapitar os que não gostam de futebol, decapitar os que não gostam de futebol!

E é assim que o Poeta nasce, todas as noites,
da carne macia e mórbida

das pernas da Serra do Curral.

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